quinta-feira, dezembro 06, 2007

vida saudável

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Quantas crianças de hoje têm a vida saudável que o vosso amigo Zézinho tinha na Timpeira, na Qta. do Costa Lobo, onde morava, em Vila Real ?

05 OUT 1958
o Zézinho em plena 'labuta' a vindimar...

nota: A foto a 'cavalgar' um reco, no post aqui abaixo, é no mesmo sítio.

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terça-feira, setembro 12, 2006

Vincit omnia veritas

Quando inicio o descritivo deste blog com a afirmação "CAVALGUEI UM RECO", quero que fique bem claro para todos que não se trata de nenhuma fantasia ou efusão lírica.

Para demonstrar que se trata duma afirmação solidamente verdadeira, aqui fica a prova documental: uma fotografia cá do Zézinho, quando tinha 18 meses (1958), tirada num sítio chamado Timpeira, onde residia, a cavalgar um belo e valente (e provavelmente saboroso...) specimen suíno (Reco, para um transmontano):


Vincit omnia veritas

imagem: © Arquivo pessoal / José António 2006

sábado, maio 28, 2005

cegonha

Esta estória está perfeitamente datada.
Ocorreu no dia 20 de Setembro de 1962 e quase poderia dizer a que horas aconteceu. A minha mãe sabe-o certamente.
Eu tinha então 5 anos, feitos em Fevereiro, e a minha irmã 3 anos, feitos em Junho.
Moravamos num andar, não recordo qual, num prédio das 'Caixas', de fronte ao terreiro onde faziam a feira do gado. Para lá deste terreiro, tenho ideia que se viam apenas algumas, poucas, pequenas casas isoladas e dispersas pelos montes.
Das janelas viamos o citado terreiro da feira, e lá ao fundo as faldas da Serra do Marão que, quando nevava no Inverno, maravilhavam os meus olhinhos, curiosos e deliciados na fruição daquele lençol branco, que eu sabia gelado, que se estendia por ali acima, até aos píncaros.

A minha mãe estava grávida, do seu terceiro e último filho.
Tivera em mente fazer com ele o 'truque' que fizera com a minha irmã, porque não lhe agradava a ideia de ter descendência transmontana, pois a família era toda alfacinha. O 'truque' fora algo simples: quando estava quase a terminar o tempo de gravidez, a minha mãe deslocou-se para Lisboa para casa de familiares, de uma tia que morava em Benfica, para ter a filha na Capital. O 'timing', como hoje se diz, foi perfeito, e a minha irmã nasceu em Benfica, Lisboa, alfacinha de gema, no dia 9 de Junho de 1959. Passados alguns dias 'migrou' para Vila Real, onde continuámos a viver.
Mas o destino, ou talvez algum factor que eu desconheço, desta feita resolveu pregar uma partida. E o Julinho teve mesmo que vir ao mundo em terras transmontanas. Coisa que não o incomoda nada, nem a ninguém aliás, e até o diverte.

Ora naquela época não se considerava correcto, como hoje se faz, explicar a crianças muito pequenas que os bebés cresciam dentro da barriga das mães, e que para nascer saíam pelo 'pipi'.
Não, naquele tempo estava muito em voga a famosíssima tese da 'cegonha francesa'. Esta consiste basicamente em dizer às inocentes crianças, que as pessoas achavam serem estúpidas, que o bebé vinha de França pendurado no bico de uma prestimosa cegonha, que entrava pela janela e o entregava na casa onde ia nascer, depositando-o com cuidado e carinho ao lado da mãe...

Naquele dia percebemos que se estava a passar alguma coisa fora do normal.
A mãe estava metida no quarto e não nos deixaram lá entrar. Havia gente desconhecida em casa e tudo num grande corrupio. Hoje sei que se tratava da parteira.
Lembro-me de eu e a minha irmã andarmos à volta da avó e do pai, a insistir com perguntas: "Quando é que nasce o bebé", "Como é que nasce o bebé", "De onde vem o bebé", etc.
E lá nos impingiram a 'tese da cegonha francesa'...

Lembro-me que queriamos ver a cegonha vir pelo ar a voar com o nosso irmãozinho no bico e vê-la entrar pela janela.
Lembro-me que alguém, acho que o pai, nos colocou junto da janela, a tal que dava para a frente do prédio, para a feira, com a indicação de que dali veríamos a almejada cegonha.
Lembro-me de estar nessa janela com a minha irmã ao meu lado, os dois a olhar os montes e o céu, sobretudo o céu, à espera da dita cegonha.
Lembro-me de alguém ter exclamado "Já nasceu!"
Lembro-me que eu e a minha irmã ficámos contentíssimos por termos um irmãozinho, mas também tristíssimos por não termos visto a cegonha.


Lembro-me de no decorrer do dia ter pensado: a janela do quarto dos meus pais era na traseira do prédio, do lado oposto àquele onde nos encontrávamos, onde nos puseram...

terça-feira, dezembro 21, 2004

ai que medo...


Tenho ideia de termo morado em, pelo menos, três casas, sendo que a última era num bairro de habitação social (Fundo de Fomento da Habitação?). Esta casa ficava num prédio duma comprida rua e apenas tinha pela frente o imenso terreiro onde faziam a Feira do Gado, e lá ao longe, as faldas da Serra do Marão, a marcarem o horizonte.
Foi nesta casa que aconteceu:

Estou sozinho na varanda da nossa casa. Debruço-me e olho lá para baixo. Vejo a parede branca do prédio e o chão lá em baixo. Entretanto apercebo-me de um vulto escuro que amarinha pela parede acima. É difícil identificar o que é. Mas trata-se de um ser enorme, escuro e peludo. Quando ele está prestes a atingir a beira da varanda consigo finalmente identificar o que é. E o terror quase que me paralisa. É um lobo gigantesco, de pêlo negro e grandes garras, com uma cabeça enorme e uma grande bocarra escancarada, vermelha de sangue, da qual saem enormes presas afiadas como punhais, que me fita com uns olhos rubros e assassinos. Um calafrio percorre-me o corpo e sinto-me incapaz de me mover mas minhas pernas resolvem obedecer, comandadas por uma força cuja origem desconheço, e corro para o interior de casa, para a sala de jantar, no centro da qual está a mesa Queen Anne rodeada pelas cadeiras e o cadeirão de braços do pai. Corro como um louco, como um possesso, à volta da mesa. Olho para trás e vejo o lobo que entrara também e que , em pé, ruge e corre atrás de mim. Sei o que ele quer. Já ouvi muitas histórias destas, como a do pastor que andava a apascentar no Marão, ali à volta da cidade, e de quem só encontraram os pés dentro das botas, porque o resto tinha sido tudo devorado pelos lobos. Não quero que me aconteça o mesmo, ainda por cima dentro de casa, e por isso aumento a velocidade das minhas curtas perninhas. Mas o lobo é muito rápido e corre muito mais do que eu. Sinto já o seu bafo quente no meu pescoço. E de súbito abro os olhos, que estavam fechados não sei porque carga de água. Estou deitado na minha cama e ali, mesmo à minha frente, aos pés da cama, está o enorme vulto escuro do lobo. Começo a gritar e só paro quando o vulto se acerca de mim e sinto a mão da minha mãe na minha cabeça para me confortar e acalmar. Diz-me que eu estava a sonhar. Custa-me a acreditar, mas... enfim, a mãe é quem sabe. Nunca mais vi o lobo. Ah e, já agora, não tenho medo nenhum de lobos!

segunda-feira, dezembro 20, 2004

a habitual razão de ser...


Não recordo o dia em que cheguei a esta maravilhosa e medieval urbe serrana.
Não seria possível recordá-lo pois nasci a 26 de Fevereiro de 1957 em Benfica (Lisboa), e segundo o meu pai, ele 'assentou praça' no Banco Nacional Ultramarino, em Vila Real, no dia 30 de Março de 1958, e nós (eu e a minha mãe) viemos cerca de 2 meses depois, após ele se ter instalado e ter conseguido arranjar uma casa para vivermos (numa quinta na Timpeira). Assim, eu terei chegado a Vila Real com 15 meses de idade.
Como fomos para Alcácer do Sal por volta de 1963, já depois do nascimento da minha irmã Tensinha (1959, Lisboa) e do meu irmão Julinho (1962, Vila Real; o único genuíno transmontano da família...), vivi nesta cidade cerca de 6 anos.
Ora estes 6 anos já são tempo suficiente para algumas memórias. Memórias um tanto ou quanto remotas e difusas, mas mesmo assim vincadamente marcantes do meu ser e do meu carácter.

Como eu me lembro:

Do manto da nívea e fria neve a cobrir as ruas, os telhados, as encostas do Marão, visíveis das nossas janelas!
Da água gelada nas canalizações, torneiras que não vertiam pingos, e a Tensinha a gemer "ai as minhas mãozinhas"!
Da família sentada à volta da braseira à noite, para combater as temperaturas negativas, e os pés quase enfiados dentro dos carvões em brasa rubra, que a sola das botas até escaldava!
Dos passeios ao serão à volta do quarteirão, em noites mais cálidas, a deitar abaixo os bonecos de neve que tinhamos feito durante o dia!
Da Feira de Gado, no largo fronteiro à nossa terceira casa, das moscas, do intenso cheiro a merda e daqueles animais de cornos gigantescos em forma de lira que arruavam num lamento de ausência de terra agreste e penedias!
Das ruas atapetadas por uma passadeira de flores multicolores a figurarem imagens de santas e santos, gente boa, feita por laboriosas mulheres de corpos grossos e grandes mamas, que os pés processionais e o peso dos andores destruíam sem apelo nem agravo!
Dos Gigantones (sob os quais eu divisava as botifarras que calçavam os pés dos homens que os transportavam), mostrengos de compridas saias e grandes cabeçorras, com sorrisos estúpidos nas trombas, bailando ao som das gaitas e dos bombos, descendo pela calçada como ébrios numa orgia elegíaca de Baco de braço dado com Diónisos!
Da nossa segunda casa, junto à estação de comboios, onde para tomarmos banho usávamos uma selha estrategicamente colocada no meio do hall de entrada ao cimo das escadas, cheia de água quentinha que a mãe trazia da cozinha, aquecida em tachos e panelas sobre o fogão!
Do Colégio de São José, onde as freiras me ensinaram as primeiras letras, e um homem, que não sei quem era, vestido de fato cinzento, me repreendeu porque eu estava a fazer bonecos na folha em que devia estar a fazer o trabalho que me era exigido!
Das corridas de automóveis, monstros metálicos urrantes cuspidores de fogo e fumo, que assustavam os animais da quinta e os animais da cidade, e que eu via passar debruçado no muro!
Das corridas de kart à volta do jardim da cidade, e do kart que perdeu uma roda ao fazer uma curva, e do veio a fazer faísca no empedrado de granito que até parecia fogo de artifício, mas que grande espectáculo!
De comer o mel, alimento de deuses, directamente dum pedaço de favo numa ida à herdade dum amigo do meu pai!
Dos banhos na minúscula e pedregosa mas bela e aprazível praia fluvia sob a vetusta ponte!

Tantas memórias!
A maior parte são imagens quase fotográficas, sem nome. Mas sobre elas é ainda possível dizer alguma coisa. Pelo menos sobre os sentimentos e as emoções que lhes estão associados.
E esse é o motivo que me leva a 'abrir este livro', este blog. Quero deixar aqui registadas algumas coisas de que me lembro daquele tempo fantástico que foi a minha vida em Vila Real. Afinal, daquele tempo que foi, no fundo, praticamente o começo da minha vida.
Não coloco nenhuma ordem especial nas prosas que aqui vou deixar. Colocá-las-ei à medida que me for lembrando de algo e as for produzindo. Dentro do que me for possível, procurarei datar com a máxima precisão, e tentarei nomear pessoas e lugares. Mas esse esforço parece difícil, pois conto apenas com a minha memória e esta é cada vez mais vaga.

Vamos a isto!